Vou colocar em dia algumas coisas que ficaram pendentes no blog, começando pelo conto da minha parceira Raquel! Espero que você gostem!
Um
fio de esperança
Por Raquel Machado
Acordo com as batidas incessantes na porta. É noite ou
dia? Não que isso tenha relevância.
Levanto de mau grado e arrasto-me até a entrada da
pequena casa. Abro a porta pronta para xingar quem quer que seja, porém nada
consigo ver. Uma rajada de vento me atinge, o que me faz sentir um calafrio
repentino, a chuva se aproxima.
Decido procurar alguma coisa para comer. Entro em casa
e abro os armários, porém eles estão vazios. Tão vazios como minha própria
alma. Ao fundo avisto um pacote de bolacha, que vai servir.
Sento na mesa e vejo um inseto correndo sobre ela. Não
é exatamente uma barata nem tampouco um besouro, parece algo dos dois. Bicho
nojento. Mato-o sem dó.
Abro o pacote de bolacha e vou mordê-la, quando vejo o
mesmo bicho. Este parece encarar-me nos olhos. Fico hipnotizada por aquele
pequeno ser de oito patas. Engulo a bolacha junto com o bicho que me atormenta.
Porém, a náusea me atinge.
Vou até o banheiro e vejo meu reflexo no espelho. Eu
ainda sou a garota mais bonita do mundo. Começo a escovar meus cabelos, porém
percebo que eles estão caindo em grandes tufos, uma praga da doença que me
aflige.
Ligo a torneira e, ao lavar minhas mãos, percebo algo
estranho. Pedaços de pele começam a se desprender. Minha linda pele clara não
existe mais, em seu lugar vejo somente os músculos do ser imperfeito que eu sou.
Grito desesperada. As luzes se apagam e um silêncio
preenche o ambiente. Tento aguçar minha audição, e escuto meu próprio grito,
que parece ecoar pela casa.
Corro para sala tentando me esconder, porém sinto meus
pés pesados. O tapete da sala parece areia movediça. Arrasto-me com dificuldade
até um canto e sento. Tinha escutado histórias sobre pessoas com doenças terminais.
Elas costumavam ver e ouvir coisas, então talvez seja tudo parte de minha
imaginação.
Acordo dos meus pensamentos ao sentir pingos de chuva caírem
sobre minha cabeça. Maldita casa, terrível, urbana. Sinto que a água não é
límpida, mas sim vermelha, e sua consistência é diferente, parece sangue. O sangue
de todos que maltratei.
Corro para a porta, mas não consigo encontrá-la. Estou
trancada a mercê dos mortos que vêm me buscar, cobrando por meus pecados. O
sangue sobe pelos meus pés, ao mesmo tempo, que escuto o choro das almas
sofredoras.
É o meu fim. Sinto-me afogar, o ar saindo dos pulmões.
Já coberta por aquela corrente sanguínea, abro os olhos e vejo uma criança.
Instintivamente a reconheço, aqueles olhos da época em que minha inocência era
pura. Ela estende sua mão e tento com muito esforço pegá-la, mas já não tenho
forças. Nos entreolhamos e, por um instante, sinto que ainda existe esperança. Sem
mais pestanejar, acabo sucumbindo.
Acordo sobressaltada com um barulho incessante na
porta. A chuva cai incessantemente do lado de fora. Olho para o criado-mudo
onde estão os vários remédios que fazem parte de minha vida. Maldito sonho.
Caminho até a porta de mau grado. Abro e não vejo
ninguém, escuto apenas o barulho do vento que sussurra:
-
Ainda há tempo.
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